sábado, 17 de setembro de 2011

Meteoros

As coisas acontecem mais ou menos assim. Um dia você acorda e descobre que a sua casa não existe mais. Sobre ela existe um enorme meteoro enterrado sobre uma ainda maior cratera, a ponto de você se perguntar, como é que as coisas eram antes daquilo tudo acontecer. A pergunta vem e a resposta não vai. Você franze a testa, aperta com as mãos os lábios, mas, por mais que se esprema nada sai.

Você, então começa a se lembrar que muitas pessoas já haviam avisado que aquilo poderia acontecer. Mas, como eu fui construir uma casa onde sempre caem essas coisas? Por que tão frágil? Por eu não estava lá? Mas, por alguma razão semelhantemente misteriosa quando você começou a construção o local era perfeito, os alertas infantis, as paredes, maciças fortificações. Como eu poderia supor que isso fosse acontecer?

Sem rumo, sem fotos antigas, sem datas a serem lembradas, sem os moradores daquela casa, nu de toda consciência sobre si, você vai andando, tentando ficar de pé, em busca de referencias ainda de pé que lhe sustentem.

Descobre então que o mesmo meteoro deixou um rastro nas casas de tantas pessoas. Algumas delas você somente ouviu falar através daqueles que sobreviveram à catástrofe, que agora você sabe, não aconteceu só com você. Outras, ninguém lhe contou, você apenas viu os seus corpos dilacerados nas calçadas onde vocês costumavam a passear, despretensiosamente enquanto o tempo, simples e vagarosamente, passava.

Há aquelas, ainda, que estavam com a sua casa de pé, mas, que não cansam de falar que suas casas foram derrubadas, assim como a de tantas outras, enquanto você, de fora, não consegue ver nenhuma rachadura na parede.

No meio do verborrágico desespero desmedido dos supostos sobreviventes, pela primeira vez lhe vem a acusação de que você não é vítima do meteoro sobre a sua casa, mas, a sua casa era vitima de você. Os meteoros vêm, com local e hora marcada para quem constrói casas como a sua, verdadeiros chamarizes de corpos celestes desgovernados (ou milimetricamente governados pela atração das suas casas, na versão dessas pessoas).

Eu? Destruí minha minhas coisas, minha casa, minha vida, minha história? Quem faria isso? Eu só fui construindo e... quem se destruiria? Quem planejaria para si uma dor como essa do meu peito? Quem iria querer a pulverização da própria existência pela massificação corpórea do universo?

Mas, como se defender? Você nem se lembra porque construiu ali? Quem foi mesmo que avisou que não podia? As pessoas falam tantas coisas que não se pode seguir sempre os conselhos de todos, se não, sempre faríamos tudo, que de tão tudo, nem o nada, faríamos.

Você segue no caminho procurando alguma razão. Razão entre as coisas, pessoas, situações. A razão da razão. As vozes de fora se misturam com as de dentro e de repente as pessoas abrem suas bocas vorazes e você as preenche com o som das vozes de dentro. Já conheço o discurso, não me canso ou já me canso de ouvir.
Rostos que se viram porque simplesmente se virariam, caminhos redefinidos de acordo com a sua passagem, ou não. Como saber a razão do coração dos homens? O exercício diário faz com que tentemos fazer isso a todo instante. O que significa dizer isso? O que quer dizer fazer aquilo? As vozes às vezes, são fases, são fezes!

De repente, um silêncio. E, nada!

Não aconteceu nada. Não haviam vozes, nem rostos duramente fechados. Não havia casas, mas, também, meteoros, não existiam. As coisas acontecendo em um ritmo tão lento, tão descompromissado que simplesmente parece que sempre foi assim.

Onde você estava? Onde você esteve durante todo esse tempo em que as coisas se programaram para ficar assim? Isso não acontece, de repente. Seus olhos percorrem à procura de lugares, rostos, imagens conhecidos e não param em lugar nenhum. Nada.

Você se pergunta freneticamente se tudo aquilo aconteceu, a ponto de ocupar toda sua mente com essa pergunta até instaurar a retumbante ausência diante de todos, sem poder perguntar a ninguém. Perguntas sobre o que passou não cabem no tempo do que restou.

Se não era, então, o que foi?

E, sem voz e nem vez, as vozes se vão para algum lugar aguardar o meteoro que nunca deixa de cair, enquanto cada qual vai para a sua casa.