sábado, 24 de março de 2012

Ser

Disseram de mim
Eu me deixei assim
Ser quem quer que eu fosse

Nem sequer rejeitei
Tampouco aceitei
Fui para ser e pronto

De tanto falarem
Acreditei-me, mandrake
crer, ser é crescer

De repente deixei-me
Tentei perceber-me
Quando vi já era

Nao era mais eu
Mas, ainda era eu
Só eu não sabia
Mais ser quem eu era.

sábado, 17 de setembro de 2011

Meteoros

As coisas acontecem mais ou menos assim. Um dia você acorda e descobre que a sua casa não existe mais. Sobre ela existe um enorme meteoro enterrado sobre uma ainda maior cratera, a ponto de você se perguntar, como é que as coisas eram antes daquilo tudo acontecer. A pergunta vem e a resposta não vai. Você franze a testa, aperta com as mãos os lábios, mas, por mais que se esprema nada sai.

Você, então começa a se lembrar que muitas pessoas já haviam avisado que aquilo poderia acontecer. Mas, como eu fui construir uma casa onde sempre caem essas coisas? Por que tão frágil? Por eu não estava lá? Mas, por alguma razão semelhantemente misteriosa quando você começou a construção o local era perfeito, os alertas infantis, as paredes, maciças fortificações. Como eu poderia supor que isso fosse acontecer?

Sem rumo, sem fotos antigas, sem datas a serem lembradas, sem os moradores daquela casa, nu de toda consciência sobre si, você vai andando, tentando ficar de pé, em busca de referencias ainda de pé que lhe sustentem.

Descobre então que o mesmo meteoro deixou um rastro nas casas de tantas pessoas. Algumas delas você somente ouviu falar através daqueles que sobreviveram à catástrofe, que agora você sabe, não aconteceu só com você. Outras, ninguém lhe contou, você apenas viu os seus corpos dilacerados nas calçadas onde vocês costumavam a passear, despretensiosamente enquanto o tempo, simples e vagarosamente, passava.

Há aquelas, ainda, que estavam com a sua casa de pé, mas, que não cansam de falar que suas casas foram derrubadas, assim como a de tantas outras, enquanto você, de fora, não consegue ver nenhuma rachadura na parede.

No meio do verborrágico desespero desmedido dos supostos sobreviventes, pela primeira vez lhe vem a acusação de que você não é vítima do meteoro sobre a sua casa, mas, a sua casa era vitima de você. Os meteoros vêm, com local e hora marcada para quem constrói casas como a sua, verdadeiros chamarizes de corpos celestes desgovernados (ou milimetricamente governados pela atração das suas casas, na versão dessas pessoas).

Eu? Destruí minha minhas coisas, minha casa, minha vida, minha história? Quem faria isso? Eu só fui construindo e... quem se destruiria? Quem planejaria para si uma dor como essa do meu peito? Quem iria querer a pulverização da própria existência pela massificação corpórea do universo?

Mas, como se defender? Você nem se lembra porque construiu ali? Quem foi mesmo que avisou que não podia? As pessoas falam tantas coisas que não se pode seguir sempre os conselhos de todos, se não, sempre faríamos tudo, que de tão tudo, nem o nada, faríamos.

Você segue no caminho procurando alguma razão. Razão entre as coisas, pessoas, situações. A razão da razão. As vozes de fora se misturam com as de dentro e de repente as pessoas abrem suas bocas vorazes e você as preenche com o som das vozes de dentro. Já conheço o discurso, não me canso ou já me canso de ouvir.
Rostos que se viram porque simplesmente se virariam, caminhos redefinidos de acordo com a sua passagem, ou não. Como saber a razão do coração dos homens? O exercício diário faz com que tentemos fazer isso a todo instante. O que significa dizer isso? O que quer dizer fazer aquilo? As vozes às vezes, são fases, são fezes!

De repente, um silêncio. E, nada!

Não aconteceu nada. Não haviam vozes, nem rostos duramente fechados. Não havia casas, mas, também, meteoros, não existiam. As coisas acontecendo em um ritmo tão lento, tão descompromissado que simplesmente parece que sempre foi assim.

Onde você estava? Onde você esteve durante todo esse tempo em que as coisas se programaram para ficar assim? Isso não acontece, de repente. Seus olhos percorrem à procura de lugares, rostos, imagens conhecidos e não param em lugar nenhum. Nada.

Você se pergunta freneticamente se tudo aquilo aconteceu, a ponto de ocupar toda sua mente com essa pergunta até instaurar a retumbante ausência diante de todos, sem poder perguntar a ninguém. Perguntas sobre o que passou não cabem no tempo do que restou.

Se não era, então, o que foi?

E, sem voz e nem vez, as vozes se vão para algum lugar aguardar o meteoro que nunca deixa de cair, enquanto cada qual vai para a sua casa.

sábado, 18 de junho de 2011

Medo

Temo. Temos.

Medo da distancia dos nossos corpos ate o chão.

Que não haja raios de luz em volta que nos clareiem os olhos.

De qualquer inseto que habita nos ralos e salte de assalto

Medo do monstro, menina, vampiro, velha, palhaço,

Medo da seca do outono, das águas de março.



Temos, sim! Claro que temo.

Medo do câncer de pele, infarto, lupos, difteria,

Que não haja remédio, que arda que queime que dure a agonia.

Do leito que deito, do ar que me falta, da perna falhar.

Medo da faca, do tiro, do homem, de sangue, do mal.

Medo do vento, torrentes, calmaria, temporal.



Tememos. Trememos.

Medo do público e da publicidade que a intimidade pode ganhar.

Que o peito apareça, que nunca se veja, que se dilacere, sem nunca pulsar.

Que riam das minhas misérias, mas que fiquem sérias se a piadas falhar.

Medo do futuro, da cigana, da vela, do negro, das vidas passadas.

Medo do oculto, ocultismo, do culto, das cartas marcadas.



Todos temos. Temo todos.

Medo do dinheiro que sobra, acabe, falte ou suma

Da solidão que me cerca apertar ate quase eu sufocar

Da multidão que me tranca me esquece me insulta

Medo do som, do silencio, do estrondo, da pausa,

Medo que eu suma, em suma, medo de amar.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Encouraçado Coração

Não me ressinto das bocas não beijadas e corpos desentrelaçados,
Dos prováveis aos possíveis, inconfessáveis e indizíveis,
Sabidos ou ignorados, sejam como fossem, fossem como são,
Desde que meu peito não andasse tão marcado pela dor
De ver a penumbra do seu espaço, vazio, mal ocupado
No que sobrou de um maltrapilho, mal tratado,
Encouraçado, coração.

Não me castigo por seguir o mais batido de todos os caminhos
O da tranquilidade esfuziante, fuzilante dos destinos,
Tratado de paz, com trato demais, que transforma e desfaz,
Não fosse meu aquele adeus, nem tão mal, aquele tchau,
Nem eu, réu de mim, que simplesmente fez assim:
Desprezou a necessária rima do amor, sublime dor,
Encarcerando, o encouraçado coração.

Não choro pela saudade das coisas que passaram, mas vivi,
Encontros que em contos, conto o quanto estive lá,
Vida viva, inesperada, nas esquinas, nas calçadas,
Nos sons feitos pelo dia e o peito que à noite melodiava,
Me sobraram os versos prontos para os dias de sorriso,
Os inacabados para as noites em que a morte tarda,
Encerrados, encarcerando, o encouraçado coração.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Conto do que vi.

É o que normalmente acontece quando você está com pressa. A velinha com sua acompanhante ocupando todo o espaço da já estreita passagem no meio da multidão que às vezes lhe arrasta e às vezes lhe impede de prosseguir em razão dos inúmeros camelôs, barraquinhas, gente pedindo dinheiro ou oferecendo pequenos papéis onde se lê “dinheiro já!”.

Das pessoas que andam na sua direção, temos aquelas que simplesmente parecem se deslocar num curioso ziguezaguear, estranhamente sincronizado contigo. Ela escolhe sempre o lado que você decide ultrapassar. Como que antevendo seus movimentos e os frustrando em milésimos de segundos antes que você consiga executar a libertadora manobra.

Tem também aquelas pessoas que andam no sentido contrário à sua direção para quem você é um obstáculo tão intransponível quanto ele é para você, sem que ninguém tenha nenhuma responsabilidade pelos inúmeros esbarrões e encontrões, exceto pelo fato de cada um ter resolvido morar ou nunca se mudar de uma cidade que já tenha gente demais.

O ritmo é sempre frenético! Você anda pensando somente em conseguir se locomover e se livrar dessa dança urbana que é andar na multidão. Foi exatamente assim que com 10 minutos de atraso eu consegui embarcar no metrô, na Praça Seans Peña, na Tijuca para uma reunião no Centro da Cidade.

Ao entrar no trem procurei ficar no lado em que eu iria saltar com a preocupação de ficar perto da porta de saída, uma espécie de seguro contra uma lotação excessiva que me obrigasse a descer uma ou duas estações depois da minha.

Percebi que na minha frente parou uma moça jovem, sem muita beleza, com um aspecto um pouco desleixado, que se segurava na barra de apoio como se estivesse gratamente abraçando seu treinador após uma longa maratona. Ela encostava ali o seu rosto, a ponto de fazer dobrinhas na bochecha enquanto eu me perguntava intimamente, com as duas mãos no bolso, se ela de fato teria noção de quantas pessoas teriam deixado ali seus germes e bactérias antes dela.

Ela tirou da bolsa um saquinho de biscoitos salgadinhos, bem gordurosos, abriu e colocou no colo do menino sentado na sua frente, a quem só conseguia ver de cima aquela cabeça com cabelo lisinho cortado em cuia, já que eu estava em pé ao lado dele.

Uma falta de respeito, pensei. Na Tijuca, tão pouco naquele vagão não faltavam velhinhos (aqueles que dificultam o trânsito da multidão). Havia, também, um rapaz mais jovem que se equilibrava numa muleta que certamente precisaria descansar o braço. Pensei em falar com mãe que ainda namorava a barra de apoio, mas, imaginei que seria em vão.

O meu conflito interno só desapareceu quando percebi a completa inabilidade do pequeno em manter os biscoitinhos a salvo no trajeto saquinho-boca. Em sua volta havia mais biscoitos do que dentro da embalagem. Aliás, fazendo algumas contas por alto concluí que somando os que ainda estavam lá e os que estavam no chão a brincadeira era atirar biscoitinhos e não come-los.

A indiferença àquela bagunça por parte da sua mãe era surpreendentemente comovente. Além de não reprimir o filho ela não catava os biscoitos e ainda cantava algo incompreensível para o menino.

Tentei me desligar mais uma vez da cena e me concentrar na iminente reunião. Números, dados, argumentos, pessoas, dinheiro e aquelas coisas realmente importantes. Então, comecei a sentir uma delicada mãozinha esbarrar na minha calça.

Evidentemente, vinha do pequeno lançador de biscoitinhos. Imediatamente conclui que ele não deve ter tido o cuidado de sacar um guardanapo para limpar os seus dedinhos antes de encostar na minha calça o que me deixaria engorduradamente marcado para a reunião dali a poucos minutos.

Pensei em me afastar discretamente, o que era fisicamente impossível naquele vagão. Mais uma vez ele encostou em mim. Pensei num antipático olhar para o menino para que ou ele ou a mãe se tocassem. Mais uma vez ele encostou em mim. Ensaiei mentalmente um discurso sobre boas maneiras em público. Mais uma vez ele encostou em mim. Dessa vez a sua mão subiu pela lateral da minha calça até encontrar minha mão que já havia sacado do bolso, pensando numa eventual defesa contra os dedinhos engordurados.

Sua mãozinha não estava suja como eu imaginava, o que pelo menos me tranquilizou quanto à integridade da minha calça. Percorreu minha mão com um leve toque e depois a segurou como que a abraçando com as próprias mãos. Trouxe minha mão até o seu rosto e começou a senti-la com a sua fina pele.

Fiquei ligeiramente desconcertado até que percebi que no lugar dos olhos havia dois grandes afundamentos. Suas pupilas estavam cerradas como se tivessem sido cirurgicamente costuradas. Vi, com os meus olhos, a sua cegueira. Provavelmente congênita, apesar de ter me contagiado, pelo menos por alguns instantes.

Paralisei.

Eu não estava fazendo nada, mas, ele estava no controle. Ele me conhecia pela minha mão e a fazia percorrer o seu rostinho como se eu pudesse ver através dela. Eu era simplesmente manipulado.

A mãe, pela primeira vez se manifestou e disse para ele largar a mão do moço talvez supondo que a minha paralisia fosse incômodo. Imediatamente disse a ela que não me importava enquanto reconstruía psicologicamente a figura daquele menino dentro de mim.

O menino sorriu para si mesmo e sem nenhuma cerimônia beijou minha mão, como se a sua alegria lhe forçasse a isso, como se a conexão tivesse sido feita e a energia corrente entre nós assim o determinasse. Beijou minha mão com ternura. Beijou sem medo. Beijou, assim, simplesmente beijando.

Quando ele liberou a minha mão institivamente afaguei o seu cabelo e fui percorrendo até a nuca onde fiz um pouco de cócegas, num momento de maior retribuição física de um carinho inesperado da minha vida.

A mãe me perguntou a estação. Eu lhe respondi que era a Central. Ela se virou para o menino e disse: chegamos, filho. Sim, eles haviam chegado à estação Central e foram embora singelamente despreocupados com o que acabara de acontecer, deixando, em mim, a saudade de um velho amigo que acabara de conhecer, mas, que estava partindo para nunca mais.

E, se foram. Ao sair, a mãe teve que pega-lo no colo para que ele não pisasse no vão entre o trem e a plataforma. Seus biscoitinhos ficaram no banco e no chão que ele ocupava. Meu olhar foi com eles até quando pôde. E o meu trem seguiu.

Eu que enxergava tão bem havia visto tanta coisa sobre aquele menino, mas, não conseguia ver nenhuma forma de me conectar a ele, senão pelas inúmeras críticas das suas incontáveis condutas impertinentes.

Ele, por outro lado, não enxergava nada, mas, foi capaz de me encontrar ao seu lado, conseguindo ver tudo que era preciso para conquistar um coração que via demais.

A Manhã da Sua Infância

Se eu pudesse lhe dar um conselho, diria: aproveite a manhã da sua infância!

Os dias são leves e todas as cores estão lá. A luz é intensa e a noite só um pretexto para o sono arrebatador, de quem não precisa pensar em absolutamente nada depois do dia acabar, tão pouco gastar um segundo no ingrato exercício diário de prever o improvável antes do próximo dia começar.

Sua bicicleta é capaz de leva-lo a todas as esquinas do mundo e nenhum lugar é melhor do que o que você está ocupando naquele exato momento, independentemente da sua consciência sobre esses e tantos outros fatos tão importantemente irrelevantes que você se obrigará a pensar ao longo da vida.

O rocambole de doce de leite da sua mãe é a melhor iguaria do mundo, sua fantasia de Batman o traje mais adequado e tudo que você imagina sobre si mesmo é tão real que, sinceramente, não é possível que alguém ainda não tenha enxergado isso!!!

Nenhuma mulher é capaz de lhe fazer sofrer por mais de alguns instantes, época em que a dor termina com o início de uma nova brincadeira e o tempo que passa tão rápido para todos não consegue convencê-lo de que passa na mesma velocidade para você.

Quando as pessoas lhe encontram querem simplesmente lhe beijar, cheirar, abraçar, sincera e demoradamente, dizer o que sentem e todas aquelas coisas que a formal irrealidade de nossas vidas extraordinariamente comuns não nos permitem porque nos falta tanto tempo, nos sobra tamanho acanhamento, que pateticamente nos acostumamos com esse destemperado equilíbrio da maturidade, o qual no auge de uma medíocre existência, acredite, você renunciará sem qualquer relutância.

Guarde com carinho todos os cheiros de chuva nos dias quentes, bolos de fubá saídos do forno, as mangas colhidas nos quintais alheios, a cama da mãe sempre pronta, o singelo almoço de domingo, o pão com açúcar na casa da sua avó, todas as musicas que couberem na memória, as palavras inventadas e qualquer suvenir mental que a vida distraidamente lhe oferecer. Essas coisas serão o atalho mais rápido para o reencontro da felicidade suprema que você buscará em tantas coisas mais complicadas que será uma grata surpresa descobrir que elas sempre estiveram lá.

Por fim, se pudesse lhe dar uma conselho, diria: se um dia essas coisas de tão vividas ficarem muito distantes, se a alegria perder a intensidade de todas as manhãs e tudo ficar tão normal para você, a ponto de achar que a vida é o roteiro já escrito, sem final feliz, um jogo de cartas marcadas onde você sempre perde, eu lhe desejo um filho.

Um filho capaz de lhe surpreender nas coisas mais óbvias. Alguém que simplesmente ao levar as mãozinhas na boca lhe transtorne em ternura indizível, ao mexer as perninhas displicentemente lhe traga espanto de um milagre contínuo e que tão somente por existir resignifique a sua existência, a ponto de todas as sensações vividas na sua infância retornarem não como lembranças, mas, como experiências catárticas de um ser, num desesperado e lento processo de busca pelo alumbramento da manhã da sua infância.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Poder da Morte

Impressionante como é frio o poder da morte.
Não há aconchego e as noites são longas.
Evidente solidão do abraço que se ama.
O nada é tudo que persiste em volta.

Impressionante como é escuro o poder de morte.
As cores se esvaziam em sua presença trágica.
Os olhos, confusos, nem se sabem, nem se abrem.
A cor da dor é simplesmente cinza

Impressionante o silencio imposto pelo poder morte.
Música de calar a renitente sinfonia da alma.
Gritos e gemidos, que se propagam pelo avesso.
Pausas de vida que sangram toda hora.

Muito mais impressionante que o poder da morte é o da vida!
Torna e retorna toda vida simplesmente dela.
Uma vida vale sete, sete vidas umas tantas belas!
Todas as luzes, músicas, cores são certas.

Não há um instante da vida que não seja belo.
Repleto de si e de tudo como um infinito transborde.
Sons dos tons que se harmonizam tantos acordes.
Que a vida de tanta vida, se exagera.

Se tiver que viver tanto e um dia encontrar a morte.
Que seja acompanhado de toda a vida que carrego.
Dançar a valsa sombria do último pressentimento.
Até que ela desista de escurecer o dia eterno!